sábado, 17 de fevereiro de 2007

Memórias

Conta-me uma amiga, por telefone, que há três anos sofreu um acidente grave. Tento visualizar o episódio, à medida que a dita amiga mo vai descrevendo. Diz-me que a intervenção cirúrgica foi muito complicada - dez ponto na perna direita e que ficou sem andar durante dois meses.
Seria acidente de automóvel, questionava-me intrigado. Não poderia ser porque a dita senhora não tinha tirado a carta de condução. Mas a falta de habilitação poderia atraiçoar-me porque defendera, há uns anos, em tribunal, um indivíduo, pai de família, que conduzia o automóvel sem estar encartado. O senhor pagou a multa e, simpaticamente, no meu regresso do palácio da justiça, oferece-me boleia no seu fantástico "jeep" todo-o -terreno-com-mais-de-seis-mil-de-cilindrada.
Mas voltando ao intrigante acidente, a amiga avança na história. Estava no jardim de sua casa a descer uma escada. Teria tropeçado, penso eu. Mas não, porquanto, na sua narrativa, descera as escadas sem qualquer mácula. As escadas, pelos vistos, davam acesso a um jardim de inverno. Ao abrir a porta vê um vaso caído e vai apanhá-lo. Ah, é agora que a senhora, de setenta e muitos anos, cai estatelada no chão, penso eu.
Neste momento da narrativa, o meu pensamento desvia-se para a catástrofe, para o pior dos cenários - um tronco do estupendo espécime envasado teria entrado perna adentro sem pedir licença. Mas não.
Enfim, pergunto impaciente o que teria acontecido. A minha amiga fica incomodada com a minha insistência e relata-me que teria tropeçado no degrau da porta, a entrar de novo em casa. E que, como não estava ninguém presente que ninguém a acudir. Que foi ao telefone pedir ajuda e que a perna lhe doía muito.
O meu pensamento, desalentado, desliga daquele conjunto de lamentações. Pronto, penso eu, foi um acidente doméstico, ficando, não obstante, a desejar que tivesse sido uma catástrofe. E, contudo, tratava-se de uma amiga...

Sem comentários: