quinta-feira, 29 de março de 2007

Olissipografia 10 (périplos por uma Lisboa seiscentista)

Este é um post sem imagens. Faço hoje a primeira viagem no tempo para lembrar uma Lisboa que não vemos em fotografias - a Lisboa do antes do terramoto. Este é o primeiro dos périplos imaginários que quero partilhar.

Passeio-me neste momento na zona da baixa na principal artéria da Lisboa de outrora - a Rua Nova.

Era uma rua comercial - a maior rua comercial da metrópole. No século XVI era considerada a mais elegante de Lisboa, com os seus edifícios admiráveis e as suas ricas lojas. Todas as casas desta rua (que tinha mais de 200 metros) tinham lojas, sobrelojas e, no máximo, quatro andares. Ao longo da Rua Nova, os andares dos edifícios formavam sacada sobre as lojas e sobrelojas, sobre esteios de pedra ou madeira. Assim, a rua era percorrida por colunatas, quer de um lado, quer do outro, que "serviam para comodidade de passagem da gente em tempo de inverno e chuvoso". De acordo com o Tombo de 1755, as colunas e pedestais totalizavam o número de cento e quarenta e nove (ver ainda Inácio Barbosa Machado).

Não obstante esta uniformidade evidenciada, a Rua Nova estava dividida em duas partes (veremos do sentido ocidental para o oriental): a primeira parte, que chamavam correntemente a Rua Nova dos Mercadores, e a segunda parte, a mais célebre, conhecida pela Rua Nova dos Ferros. Os ditos ferros eram uma grades de ferraria dispostas longitudinalmente pelo meio da rua, alegadamente "para isolar o povo miúdo dos altos negociantes e financeiros"(esta descrição data de 1584).

Para os mais curiosos, a rua ficava situada sensivelmente no espaço que ocupa actualmente a Rua do Comércio, que até 1885 teve o nome de... Rua Nova de El-Rei (seria D. Dinis?), vulgarmente conhecida no século XIX como Rua dos Capelistas. Ainda uma nota interessante, que depois remeteremos para outros périplos - a Rua Nova aqui descrita terminava no Largo do Pelourinho, que, ao contrário de hoje, situava-se a nordeste do Terreiro do Paço e não a noroeste.

Neste passeio, consigo apurar que a Rua é pouco luminosa, é cruzada por inúmeras ruas e ruelas, começando pela Rua dos Ourives do Ouro e terminando no já mencionado Largo do Pelourinho. O piso em terra batida faz-me adivinhar o que será em dias de chuva. Ademais, para além das chuvas invernosas, as arcadas ao longo da rua seriam insuficientes para albergar o povo, numa manhã de azáfama comercial. Pobres e ricos cruzavam-se neste célebre entreposto europeu. O cheiro seria nauseabundo, porquanto as habitações, quase todas com vidros partidos (os forasteiros da altura várias vezes fazem queixa deste facto), por cima das lojas e sobrelojas seriam um misto de armazém e de refúgio dos comerciantes, vindos dos vários cantos do mundo - com locações e sub-locações adivinhadas. Quem se prezasse não morava na Rua Nova, apenas por necessidade comercial ou empresarial alguém endinheirado se aventuraria por aquelas redondezas. Não obstante o aspecto demonstrado, a Rua apresentava o esplendor de uma economia pós-medieval em que a oportunidade e a sorte se cruzavam num fórum de liberdade, que nem o século XX sequer conheceu...

4 comentários:

portridge disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Bic Laranja disse...
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Bic Laranja disse...

Bela ilustração. Julgo que no séc. XVI ainda se não usava vidraças nas janelas. E mesmo no paço, não sei...
Caso queira, use estas imagens da Rua do Comércio e da Rua Nova.
Cumpts.

O Exactor disse...

Concordo consigo, mas as descrições das vidraças já são mais dos finais do século XVII e inícios do XVIII! Saudações!