terça-feira, 6 de março de 2007

Recordando Eugénio Tavares

De regresso a Portugal, resta-me recordar Eugénio Tavares:

"Foi a 12 de Junho de 1900, por uma manhã formosíssima, céu alto, zebrado de longos flocos cintilantes, mar sereno, levemente picado, estendido num imenso pano de seda azul ponteado. O lugre abriu suas largas velas ao nordeste carinhosamente fresco, e desfechou, canal abaixo, proa da América, do El Dorado da liberdade, Igualdade e Fraternidade. Esplêndida vela, leve sobre o mar, elegantemente inclinado, o navio voava, enquanto que o meu espírito voltava dolorosamente à realidade, e se retraía, e se obumbrava nessa indefinível opacidade calma, tranquila, profundamente dolorosa das grandes dores resignadas.
Na montanha bronzeada que nos ficava atrás, olhos tristes velados de lágrimas, que lágrimas que nenhum bálsamo consola, chorariam, porventura, fixos, humidamente fixos na esteira que o lugre ia deixando na tranquila superfície azulada.

As causas deste meu exílio, tu que me conheces, tu as sabes: foste testemunha das monstruosidades que emborcaram sobre o meu nome o córrego lodoso duma calúnia inaudita.

Começou tarde, mas sempre começou, entre nós, na atmosfera viciada da administração colonial, o desvendamento da Justiça. Desvendada ela, a Deusa, poder-se-á não mais escolher as vítimas, senão descobrir os criminosos.

Crente então na justiça de Deus, as mais estupendas, as mais mostruosas infâmias pareciam-me fatalidades orgânicas, dejectos da vida, detritos cuspidos pela máquina social no seu funcionamento.

À tardinha, quando o cinzento perfil da ilha se diluiu no roxo do horizonte, desci à câmara, estendi-me num beliche e me pus a revolver na ferida da minha dor o punhal lacerador da saudade."

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