sábado, 3 de março de 2007

"Tour" insular bizarro

Manhã atribulada, saída de avião de S. Vicente e regresso à ilha do Sal, depois de uma semana no Mindelo. Em geral, o povo caboverdiano é afável e de costumes brandos. E o povo mindelense tem um elemento adicional: orgulha-se muito da terra que habita, dos seus costumes e tradições. A presidente da Câmara de S. Vicente é uma Senhora de armas, capaz de colocar a sabujice do nosso Jardim madeirense a um canto.
A viagem para o Sal demorou sensivelmente trinta e cinco minutos, num avião a hélices, paradoxalmente mais seguro que o Airbus 727. A chegada de madrugada e a espera de seis horas pela ligação para Lisboa impulsionou-me para fazer uma visita por aquela ilha, que é destino de férias de muitos portugueses. Confesso que não sou adepto desse tipo de turismo, nem de carneiradas. Por outro lado, considero redutor o facto de alguém passar uns dias de férias nos chamados "resorts", que mais parecem prisões (por vezes, nem mesmo douradas) em que a "malta" é logo "condecorada" à chegada com umas pulseiras (quase electrónicas) e é obrigada a permanecer, nos dias pré-fixados pelas agências de viagens, intra-muros. Ali faz-se de tudo, e as diferenças entre aquele espaço e um curral são muito pequenas. Ora, corre-se, come-se as mais variadas refeições, faz-se ginástica, dorme-se, engata-se, arrota-se - e com o pormenor de ser tudo ao mesmo tempo. Digamos que a vida na fauna animal será mais animada, porque não está confinada intra-muros, salvo se falarmos num jardim zoológico.
Consciente destas limitações e não obstante já estar deformado quanto a este tipo de destinos, quis ver de perto esse fenómeno que tanto se fala. Como tinha um contacto nessa ilha telefonei-lhe e combinei encontro. O desconhecimento da aparência física do mesmo, levou-me a que combinasse com ele um encontro com base no que tínhamos vestido. Eu, camisa azul e calças cremes e ele t-shirt encarnada e pick-up branco. Até daqui a dez minutos, disse ele, e eu aguardei.
De facto, ao fim de dez minutos lá tinha à minha espera um sujeito numa pick-up branca, mas sem a t-shirt encarnada. Pergunto-lhe se mudara de t-shirt e o indivíduo diz que sim e entro no carro. O dito guia era surfista e deu uma volta exímia à ilha do Sal, frisando os "hot-spots" de surf, inclusive apresentando-me ao campeão mundial de windsurf, que estava por lá. Fiquei impressionado com o facto de aquele ambiente não ter nada a ver com uma ilha caboverdiana - aquilo nada mais era que um cruzamento de Hawai com Jamaica, com a língua italiana como suporte, o que, para mim, é decepcionante - o que o turismo pode fazer é assustador, quando se trata e standardizar culturas suprimindo idiossincrasias populares.
No final do tour turístico agradeço ao dito homem e o mesmo pede-me quarenta euros, que paguei, estranhando o excesso, dado tratar-se de um contacto de um amigo. Já no aeroporto, recebo uma chamada de um senhor, que me pediu desculpa por não ter conseguido passar pelo aeroporto, como combinado telefonicamente, porquanto tivera um furo num pneu.
Sentido alguns calafrios na espinha, mas aliviado por não ter acontecido nada de especial, perguntei-me várias vezes quem seria aquele indivíduo que fez a volta comigo. A esta altura o mesmo deveria estar a gozar os quarenta euros pagos, à custa de uma troca de identidades. A ilha do Sal não é Cabo Verde, é a terra da ilusão e do engano - e eu senti isso na pele...

1 comentário:

Jagoz disse...

Na pele, não; no bolso. Ainda que para os exactores isso seja invariavelmente o mesmo...