segunda-feira, 30 de abril de 2007

Capacidade contributiva


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Pelo que vi, temos confrades que invocam austeridade, quando evidenciam rendimentos exorbitantes. Talvez uma liquidação adicional resolva o problema?

O principezinho...


O Exército britânico enviou forças especiais para o Iraque com o objectivo de proteger o príncipe Harry, indicou ontem o semanário Observer, numa altura em que aumenta a polémica sobre a ida do neto de Isabel II para aquele teatro de operações.

Harry está convencido da sua partida para uma missão de seis meses no Iraque nas próximas semanas. Na sexta-feira até deu uma festa de despedida no clube londrino Mahiki. Mas o mesmo não pode dizer-se das hierarquias militares que foram confrontadas com ameaças das milícias. Xiitas e sunitas indicaram que pretendem raptar ou matar aquele que é o terceiro na linha de sucessão.


Será que as pessoas não compreendem que a vida corre muito melhor com discrição? Este mediatismo e esta sede de fama nunca deu grandes resultados, e no entanto, já nos tempos de Heróstrato se buscava a imortalidade (nem que fosse pelo incêndio do Tempo de Diana, em Éfeso).

Olissipografia 18








Nesta mesma data, em 1919, morria, em Lisboa, o arquitecto Ventura Terra. Aqui vão algumas adivinhas para os leitores mais atentos identificarem (são fáceis).

Ver longe


Os confrades do Arte da Fuga impressionam-se muito com o desaparecimento (inevitável, a longo prazo, espero eu) da espécie humana. E, a propósito disso resolvem pegar no diagrama acima e falar do grande problema ambiental.

Bem, eu vejo o problema ao contrário: na linha ténue do tempo terrestre 3 e 10 meses não são nada. Sendo que até mesmo os 50.000 anos nada se comparam com os 160 milhões de anos de domínio dos dinossauros. Isto é uma demonstração (raciocínios Malthusianos, ou não, à parte) que o problema ambiental alimenta uma quantas organizações internacionais. Veja-se o próprio Al Gore, prosápias à parte, cujo consumo privado ultrapassa a média per capita norte-americano. Ambiente é bom, mas para os outros não é caro Jagoz?

sábado, 28 de abril de 2007

Os sons da guitarra Picasso



Bem sei que o Jansenista já lembrou esta melodia, mas duas vezes nunca é demais!...

A guitarra de Picasso

A música e a arte 4


Os "Blasted Mechanism" portugueses também não estão longe da originalidade da "Picasso Guitar"...

A música e a arte 3

Que maravilha a "Picasso Guitar" imortalizada por Pat Metheny.

A música e a arte 2

A música e a arte 1

BD de fim de tarde

quarta-feira, 25 de abril de 2007

Memórias de Direito no Campo de Santana



Até 1958, a Faculdade de Direito de Lisboa ocupou este edifício. O espaço estava longe de ser cómodo e só o vim a conhecer já no tempo do Goethe Institut, completamente modernizado. Quem frequentou os cursos anteriores a 1958, recorda-se da "sala do eléctrico", porque, aproveitando um dos salões compridos da frente do palácio, exigia que as mesas fossem expostas ao longo do espaço, não deixando margem para ver a ardósia negra ao centro.

Em frente ao monumento de Sousa Martins, os anais estudantis lembram uma célebre cena de pugilato entre dois candidatos à Associação Académica, hoje ilustres causídicos da praça portuguesa. Nessa cena, um dos intervenientes partiu uma perna ao outro, o que gerou um ódio de estimação que ainda hoje perdura.

Nowhere Man

All Together Now

The Opry House (1929)

The Karnival Kid

Fantasia

Olissipografia 17


Este local é para adivinhar, e desta vez sem pistas...

terça-feira, 24 de abril de 2007

24


Acabo de ver o 19.º episódio da última "season" (a 6) da série 24. Tenho acompanhado, a par e passo, os episódios mais recentes (que ainda não chegaram à televisão portuguesa), mas denoto algum cansaço e desgaste dos actores- pudera, só sobrevivem dois da primeira "season".

Ao longo da trama, antevejo e assisto a manobras palacianas e tentativas de assassinato de presidentes norte-americanos em funções (porque é que será que os presidentes negros são bonzinhos, e os brancos uns crápulas?).

Tento reconstituir o que se passaria em Portugal, se algo surgisse de semelhante. Não teríamos a reacção de substituir a figura "ao minuto" (apesar de tudo, não há ataques nucleares para cercear!), mas teríamos que aguardar serenamente as exéquias fúnebres, de vários e longos dias, e só depois se pensaria na substituição da dita figura do Estado. Portugal é de facto um país de brandos costumes...

segunda-feira, 23 de abril de 2007

Olissipografia 16


Em que jardim se encontra este coreto, desde 1932? Talvez esta fotografia seguinte elucide a localização de outrora...

domingo, 22 de abril de 2007

Olissipografia 15: périplos imaginários

Recuo no tempo, até ao ano de 1650 e aterro perto das portas de Santa Catarina. Olho em direcção ao Castelo e reparo que, à minha direita, se encontra a Rua do Tesouro, onde predomina, mais lá em baixo, o Paço dos Bragança. Começo a descer a Rua, com o Tejo de fundo, e passo pelo picadeiro da casa ducal. Bem sei que El-Rei D. João IV deslocara a sua habitação para o Terreiro, recentemente, mas ainda denoto movimentações de carruagens e sinto o cheiro a cavalariça. Não me atrevo a entrar, porque não me quero desviar do meu principal objectivo - visitar o Paço dos Bragança.

O Paço dos Bragança é, no entanto, uma decepção. Apesar de albergar o arquivo, o tesouro e a guarda das jóias, o aspecto, exterior e interior, evidencia necessidade de obras urgentes. O paço é vastíssimo e está rodeado de hortas e pomares. Percebe-se perfeitamente que, no século anterior, estas propriedades foram expandidas, pois os vizinhos, frades (da cidade, sim aquilo é uma cidade dentro de uma cidade!) de S. Francisco, ficaram confinados ao Convento e nem a Igreja Velha dos Mártires ("Martens"), na parte sul do dito convento, deixa lugar a mais expansão.

Chego ao terreiro, em frente ao Paço, e vejo-me no topo de um monte que, na conquista de Lisboa, no século XII, albergou as forças inglesas e percebo da sua força estratégica. Olho para baixo e vejo, ao fundo, a antiga praça dos Remolares (corruptela de remadores, talvez), que é dominada pela família Sodré (António, Duarte e Vicente, descendentes de um tal de Frederico de Sodré) e, mais de perto, vejo a construção do Convento de São Domingos e de Nossa Senhora do Rosário, que ficará conhecido pelo culto de São Telmo, o padroeiro dos pescadores (o Corpo Santo).

Acordo, porém, ainda absorto, numa Lisboa do século XXI, que nada mais é uma sombra do que foi outrora.

O Juramento de Hipócrates


Eu juro, por Apolo, médico, por Esculápio, Higia e Panacéia, e tomo por testemunhas todos os deuses e todas as deusas, cumprir, segundo meu poder e minha razão, a promessa que se segue: estimar, tanto quanto a meus pais, aquele que me ensinou esta arte; fazer vida comum e, se necessário for, com ele partilhar meus bens; ter seus filhos por meus próprios irmãos; ensinar-lhes esta arte, se eles tiverem necessidade de aprendê-la, sem remuneração e nem compromisso escrito; fazer participar dos preceitos, das lições e de todo o resto do ensino, meus filhos, os de meu mestre e os discípulos inscritos segundo os regulamentos da profissão, porém, só a estes.

Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém. A ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda. Do mesmo modo não darei a nenhuma mulher uma substância abortiva.

Conservarei imaculada minha vida e minha arte.

Não praticarei a talha, mesmo sobre um calculoso confirmado; deixarei essa operação aos práticos que disso cuidam.

Em toda a casa, aí entrarei para o bem dos doentes, mantendo-me longe de todo o dano voluntário e de toda a sedução sobretudo longe dos prazeres do amor, com as mulheres ou com os homens livres ou escravizados.

Àquilo que no exercício ou fora do exercício da profissão e no convívio da sociedade, eu tiver visto ou ouvido, que não seja preciso divulgar, eu conservarei inteiramente secreto.

Se eu cumprir este juramento com fidelidade, que me seja dado gozar felizmente da vida e da minha profissão, honrado para sempre entre os homens; se eu dele me afastar ou infringir, o contrário aconteça.

Os vendilhões da Luz

Não quero acreditar no que vejo nas televisões! Numa mirabolante manobra publicitária, os médicos do novíssimo Hospital da Luz (sim, ao pé do Colombo) falam perante as câmaras sobre o futuro médico do "Pantera Negra". Não é que não seja uma figura marcante do futebol português, mas onde está o Juramento de Hipócrates? Vale a pena, a troco de uns sestércios rebaixar assim tanto a medicina?
Por outro lado, também percebi que, se o director clínico e o médico especialista perderam tempo e desmultiplicaram-se perante declarações às televisões e rádios, tratou-se do primeiro doente e que quanto mais tempo retiverem o senhor maiores serão os resultados financeiros da primeira semana! Que raio, há que pagar os funcionários daquele monstro monetário... Viva (o seguro de) saúde!

sexta-feira, 20 de abril de 2007

quinta-feira, 19 de abril de 2007

O estilo átomo e a BD


Criado nos anos 40-50, do século XX, por Jijé, o estilo átomo caracteriza-se pelos desenhos geométricos e despojados de cores (salvo a capa) e opõe-se à linha clara de Hergé. No entanto, a tem-se demonstrado que a junção destas duas escolas traz resultados surpreendentes: veja-se o "Corto Maltese" de Hugo Pratt.

Sobre a escola da linha clara na BD




O termo linha clara (na BD) foi introduzido por Joost Swarte, tendo sido Hergé o seu percursor, uns largos anos antes. Actualmente Swarte é um dos representantes desta escola e podemos encontrar muito do seu trabalho na revista New Yorker.

Et Ops!...


Cá temos o igualmente célebre Achille Talon, de Greg.

Un jour dans un aéroport


Logo a seguir ao "Tintin e os Picaros" tivémos ainda um outro projecto inacabado de Hergé intitulado "Un jour dans un aéroport". Hergé, numa entrevista, e a propósito deste projecto, terá dito: "J'aimerais bien que le prochain Tintin se passe entièrement dans un aéroport. L' aéroport est un centre géométrique ou peut arriver l' exotisme. Des chinois, des arabes; pour toutes sortes de raisons, les turlurons peuvent repartir... On peut faire quelque chose de très drôle avec cela. Mais maintenant, il me faut le motif."

Tintin et le Thermozéro

De facto, esta semana é dedicada a Hergé. Quem conhece melhor este representante (e fundador) da escola da linha clara sabe que o Thermozéro foi uma das obras inacabadas de Hergé. Resultou de uma encomenda feita pelo desenhador a Greg, conhecido mais tarde por ter criado a célebre personagem Achille Talon. Teria sido um marco, mas o cenário era muito redutor. Em vez do Thermozéro tivémos as célebres "Bijoux de Castafiore".

quarta-feira, 18 de abril de 2007

Inconfidência mineira

Precisamente nesta data, em 1792, o poeta (e jurista) português Tomás António Gonzaga era condenado a degredo em Moçambique, sob acusação de tentativa de revolta, ao integrar o levantamento Inconfidência Mineira. Esta revolta foi chefiada pelo "Tiradentes" e visava atacar a nova derrama exigida pela Coroa portuguesa às capitanias de Minas Gerais, para compensar o decréscimo de ouro evidenciado, ano a ano. Porque é que será que as revoltas políticas assentam sempre em decisões tributárias? Tenho, porém, uma desconfiança: as opções políticas são sempre bem vindas... até estar em causa o bolso do contribuinte.

terça-feira, 17 de abril de 2007

Georges Remy 3


Pierre Sterckx comenta "Le Lotus Bleu".

Georges Remy 2


Ligne Claire

Georges Remy

A pior banda do mundo

Terminei o dia a ler banda desenhada de uma referência no espaço nacional: José Carlos Fernandes. Nada mau, mesmo!

Erro no sistema judicial?


Em entrevista a um canal nacional, um juiz desembargador, com um ar excessivamente doutoral, tece comentários sobre um Acórdão do Supremo (sim, o do Sporting) e conclui que falta garantir os meios adequados para "guardar o guarda". Não satisfeito deixa uns conselhos para a classe dos jornalistas e dá a entender que a lista dos devedores revelada pelo Fisco é ilegal. Parece mentira, mas já chegámos a este estádio. Penso que estamos preparados para o julgamento em directo do Major de Gondomar.

segunda-feira, 16 de abril de 2007

Pandora's Box



Para a nossa Charlotte apreciar devidamente. Um filme polémico.

A propósito do documentário fajuto do Túmulo de Jesus



Aquele símbolo por cima do suposto túmulo de Jesus, fez-me pensar, qual compasso e qual esquadro, que talvez a maçonaria já estivesse implantada no Jerusalém romano - como que numa antecipação da revolução francesa. Mas fiquei decepcionado pelos pretensos "Indiana Jones" que nem sequer foram a Praga, ao mais antigo cemitério judeu, para apurar que aquele símbolo se encontrava numa grande percentagem das pedras tumulares.


Fica uma questão no ar, contudo: os elementos do túmulo seriam da maçonaria regular ou irregular. Talvez uma estatística para apurar a "coisa", não?

domingo, 15 de abril de 2007

Olissipografia 14: ainda o Palácio Valadares


A propósito da adivinha do Je Maintiendrai, a toponímica recente permite-nos apurar que o acesso do elevador de Santa Justa tem o nome de TRAVESSA D. PEDRO DE MENEZES (MARQUÊS DE VILA REAL SÉC. XV). Veja-se a proposta n.º 446/2005:

"Considerando que D. Pedro de Menezes foi o primeiro Marquês de Vila Real e que foi descrito pelo cronista Costa Lobo, no século XV, como o mais opulento fidalgo português abaixo da Casa de Bragança, que escreveu “assim como na fazenda, também nos feitos de guerra excedeu os demais fidalgos”;
Considerando que D Pedro de Menezes foi também 3º Conde de Vila Real e uma personalidade de particular relevância nos reinados de D. Afonso V, D. João II e D. Manuel I;
Considerando que dele escreveu Damião de Góis, na Crónica de D. Manuel I: “Neste anno de MCCCCXIX, faleçeo em Lisboa dom Pedro de Menezez primeiro Marques de Villa Real, do que elRei & toda há corte tiveram grande sentimento, & elRei se ençarrou, com mostras de tristeza pela morte de hum tal homem, de quem elle, & seus regnos, assi na paz como na guerra sempre receberam muitos, & assinados serviços”;
Considerando que D Pedro de Menezes foi nomeado por D. João II governador e defensor da Praça de Ceuta e que assegurou a permanência da Casa de Vila Real à frente da Capitania desta cidade, ao ser-lhe concedido o direito de transmitir o cargo, por seu falecimento, a um filho ou irmão por ele escolhido;
Considerando que o sítio do Palácio Valadares foi Casa dos Marqueses de Vila Real e, mais tarde, Casa dos Condes de Valadares, herdeiros destes, e que este palácio é confrontado pelo acesso ao elevador de Santa Justa, nas fachadas norte e nordeste(...)."

sábado, 14 de abril de 2007

Algo do primeiro falso engenheiro naval de Glasgow


Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Génio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho génios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente

Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,

Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.

Tabacaria, Álvaro de Campos, 15-1-1928

À grande e à portuguesa

Há algo de paradoxal nos portugueses: tanto invejam de forma atroz, como enaltecem da mesma forma. É curioso reparar, contudo, que os mesmos que hoje apontam o dedo a esta ou aquela personagem pública, cedo se deslumbram com as mordomias do poder, quando o alcançam.

Lembro-me de vários episódios recentes (como aquele político que viveu anos, poucos felizmente, num edifício militar, com a família e gastava que nem outro), mas o mais emblemático passou-se no século XVII.

Tratava-se de um banquete, numa embarcação, no Tejo ao largo de Lisboa, em honra a corpo diplomático inglês. Banqueteou-se do bom e do melhor em serviço de prata do mais fino. E, a certa altura, os portugueses, para demonstrar a sua grandeza, atiraram o serviço de prata borda fora. Noblesse oblige, os ingleses lá tiveram que fazer o mesmo, a contragosto. Mas o melhor da história está para vir. De facto, a tripulação combinara, em segredo, uma manobra de diversão: sem que a corte portuguesa soubesse, a embarcação estaria rodeada de redes, para depois recolher a prataria e vendê-la, mais tarde, para dar uns cobres.

Episódio interessante e retrato fidedigno da sociedade portuguesa. Nada mudou, infelizmente.

quinta-feira, 12 de abril de 2007

Histórias do Ritz

No tempo do António da Calçada, mandara-se reunir os magnatas e banqueiros do país para o empreendimento de um projecto inédito. Conta quem esteve na dita reunião que o Presidente do Conselho expressou-se da seguinte forma: "Como Lisboa, para além do Aviz e do Palácio, não tem hotéis de luxo para receber os estrangeiros e diplomatas, pedi-vos a todos para estarem presentes hoje, para ouvirem o que vos tenho a propor: preciso de capital para construir um Hotel internacional em troca daquilo que o Estado português vos proporcionou até hoje (benefícios, privilégios e favores financeiros ou fiscais)". Ao que consta ninguém recusou a proposta e o referido Hotel Ritz foi construído em tempo recorde.

Foi, também, no Ritz que eu conheci a belíssima Catherine Deneuve. O encontro foi ocasional e a conversa curta (em francês), é claro, mas deu para perceber que se tratava (e trata) de uma actriz incontornável. Nesse mesmo dia revi dois filmes: "Belle-de-Jour" e "Repulsion", dois géneros diferentes, mas com um ponto em comum: a personagem principal.

Union Jack


Precisamente nesta data, em 1606, a Union Jack tornava-se a bandeira nacional da Grã-Bretanha. Em 1654, a Irlanda e a Escócia eram unidas à Inglaterra. Sobre a bandeira ver aqui.

quarta-feira, 11 de abril de 2007

João de Deus e infância livresca

Independentes à parte (que sinceramente já estou farto, até parece que o país não tem mais interesses!), aqui vai, na senda da sugestão do Bic Laranja aqui vai uma página digitalizada da cartilha maternal onde aprendi a ler!

Ah! Que saudades tenho daqueles anos, em que a descoberta passava por coisas tão simples como saber o que significava peia ou pua. Ainda hoje, quando leio estes vocábulos iniciáticos reconheço uma música que só é comparável com o primeiro livro que li, com apenas 6 anos - "Romance de Amadis" de Afonso Lopes Vieira (feliz coincidência o autor ser também o nome de uma Rua que ainda me é muito familiar).

Leituras repousantes




... e, ao mesmo tempo, inquietantes. A história simples de Lucie, uma jovem rapariga enclausurada, torna-se numa complexa trama que está longe do fim. Prevêem-se dezoito volumes e só li os primeiros três...

A Europa e Napoleão...

Fazem hoje 193 anos...

Há precisamente 193 anos, Napoleão Bonaparte abdicava e era exilado na Ilha de Elba. Napoleão, quer se queira, quer não, foi uma figura incomparável na panorâmica europeia oitocentista.

Podia não ter sido um intelectual, é um facto, mas conseguiu unir uma França fracturada por uma revolução, pela ambição de um projecto impossível - a hegemonia europeia. Conta-se que Napoleão não dormia e que a sua tenda de campanha tinha sempre a lamparina acesa, como que numa intensa vigília pelos bravos combatentes. Mas o segredo da não dormida era simples pelo recorso à mera aparência - bastava a figura recostar-se com um pé de fora da tenda de campanha e sacudi-lo, de quando em vez, para simular aquela vigilância intensa.

Mas, sinceramente, não sei se este exílio foi a solução para todos os problemas que a Europa enfrentava. É um facto que a europa pós-napoleónica de Metternich também não foi muito melhor!...

terça-feira, 10 de abril de 2007

Abencerragens na política portuguesa



Há dias, de madrugada, ouvia um eminente deputado falar, durante mais de 20 minutos ao telefone, sobre a regionalização, sobre as suas desvantagens, sobre a necessidade de centralização, sobre a decisão dos iluminados políticos da nossa praça, etc., etc.. Aquilo é que era botar discurso, não percebi nada! E pensei como é que este incapaz já fez parte de um governo nacional.

Mas há factos indesmentíveis:
"Ora dá-se na política um caso singular. Um homem é tanto mais célebre, tanto mais consagrado, quantas mais vezes tem sido ministro - isto é quantas mais vezes tem sido incompatível com a felicidade do país, quantas mais vezes tem mostrado a sua incapacidade nos negócios!"

Quer isto dizer que:
"O menino Eleutério fica reprovado no seu exame de francês. O poder moderador deita-lhe logo o olho. O menino Eleutério, continuando a sua bela carreira política - fica reprovado no seu exame de história. O poder moderador agita-se e acena-lhe com um lenço branco. O caloiro Eleutério fica reprovado no 1.º ano da faculdade de direito. O poder moderador exulta e quer a todo o transe ter com ele uma falas. O senhor Eleutério fica reprovado no 5.º ano. O poder moderador não pode conter o júbilo e fá-lo ministro da justiça. E a opinião aplaude. De modo que, se um homem pudesse apresentar-se ao chefe do Estado com os seguintes documentos: Espírito de tal modo bronco que nunca pode aprender a somar; Estupidez tão espessa que nunca pode distinguir as letras do ABC; Reprovações sucessivas em todas as matérias de todos os cursos; O chefe, do Estado, toma-lo-ia pela mão, e dir-lhe-ia sufocado em júbilo: Tu Marcellus eris! Tu serás presidente do conselho!"

E as citações não são minhas, são das Farpas, de Queiroz e Ortigão!

segunda-feira, 9 de abril de 2007

Olissipografia 13


Depois de ver belas imagens (do Vale do Pereiro, que outrora compunha as terras que pertenciam ao Mosteiro de São Vicente de Fora), de quem percebe mais de Lisboa aqui, interrogo-me o que seria esta torre, mais acima, nas terras que compunham a Quinta dos Biaggi ou dos Palmela (que agora são ocupadas pela Rua D. João V), de acordo com os meus registos.